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Bosch no Brasil
21/11/2023

Mulheres na tecnologia: o cenário atual e os desafios para aumentar a inclusão

Mulheres na tecnologia: o cenário atual e os desafios para aumentar a inclusão

A foto é de 1974. Mostra 15 mulheres e seis homens, distribuídos pela escada de um imóvel de paredes brancas. São formandos da Universidade de São Paulo. A predominância de mulheres pode levar você a achar que são estudantes de Pedagogia ou de Letras. Não: trata-se da primeira turma de Ciência da Computação da USP – numa época em que poucas brasileiras cursavam ensino superior no Brasil.

Crédito: Jornal da USP/ Arquivo de Inês Homem de Melo
Crédito: Jornal da USP/ Arquivo de Inês Homem de Melo

Mas como foi possível que, inicialmente com maioria feminina, a computação se transformasse numa área sobretudo masculina? O que aconteceu nesse período? Neste texto, você vai saber:

  • As mulheres são mesmo minoria em carreiras ligada a tecnologia? (spoiler: são, sim)
  • Por que a representatividade feminina é baixa?
  • Por que a falta de diversidade é um problema que precisa ser enfrentado?
  • Como o cenário atual pode ser revertido?

Para ilustrar cada um desses pontos, serão usados o testemunho e a experiência de três mulheres que trabalham no setor. Esperamos que elas inspirem muitas outras a entrarem nesse mercado que cresce sem parar!

Há mesmo poucas mulheres na tecnologia?

Muito menos do que homens – tanto estudando em cursos universitários da área quanto trabalhando no setor.

Os números oficiais mostram que elas formam a maior parte dos estudantes de ensino superior (quase 60%), mas são minoria em cursos ligados a tecnologia. Na área de Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), só 18% dos matriculados são mulheres, segundo dados extraídos do Censo da Educação Superior 2022, recém-publicado pelo Ministério da Educação (MEC). Na área de Engenharia, Produção e Construção, elas são apenas 32%. Pior: o quadro mudou quase nada nos últimos dez anos; em 2012, a distribuição de homens e mulheres era praticamente a mesma, como fica claro na tabela.

Homens em 2012 Mulheres em 2012 Homens em 2022 Mulheres em 2022
Total dos universitários
Homens em 2012
43%
Mulheres em 2012
57%
Homens em 2022
41%
Mulheres em 2022
59%
Engenharia, Produção e Construção
Homens em 2012
68%
Mulheres em 2012
32%
Homens em 2022
68%
Mulheres em 2022
32%
Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)
Homens em 2012
85%
Mulheres em 2012
15%
Homens em 2022
82%
Mulheres em 2022
18%
Fonte: Censo da Educação Superior (MEC/Inep)

As estatísticas do Inep, um instituto de pesquisas ligado ao MEC, evidenciam o que qualquer um vai perceber ao entrar numa sala de aula dessas áreas. “Na minha turma tinha muito mais homens. As mulheres eram algo em torno de 25%”, relembra Marcia Lodi, que entrou em 1992 em Análise de Sistemas e hoje é gerente de produtos e serviços digitais na Bosch. Quase 20 anos depois, Isabel Sprogis cursou Sistemas de Informações e encontrou uma realidade parecida. “Éramos 8 mulheres em uma turma de 50 alunos”, diz ela, hoje analista de desenvolvimento de aplicativos na Bosch.

É assim na faculdade, e é assim também no mercado de trabalho, como indicam os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), uma espécie de perfil da mão de obra brasileira com carteira registrada, coletada pelo Ministério do Trabalho. As informações mais recentes confirmam que há bem mais homens que mulheres e que o cenário não tem se alterado.

Profissionais com carteira registrada

Homens em 2015 Mulheres em 2015 Homens em 2021 Mulheres em 2021
Total dos trabalhadores
Homens em 2015
56%
Mulheres em 2015
44%
Homens em 2021
56%
Mulheres em 2021
44%
Profissionais das Ciências Exatas, Físicas e de Engenharia
Homens em 2015
79%
Mulheres em 2015
21%
Homens em 2021
78%
Mulheres em 2021
22%
Fonte: Relação Anual de Informações Sociais (Rais)

Por que há poucas mulheres nessas áreas?

Isabel Sprogis, analista de desenvolvimento de aplicativos na Bosch
Isabel Sprogis, analista de desenvolvimento de aplicativos na Bosch: “O machismo estrutural da sociedade ensina garotas a gostar mais de brincar de boneca.”

Não há uma única explicação. A mudança no perfil dos alunos desde as décadas de 1970 e 1980 – com diminuição da presença feminina – aconteceu não só na USP, mas em diversas universidades, inclusive nos Estados Unidos. E o que ocorreu desde então pode indicar algumas causas do quadro atual.

Meninos são mais estimulados do que meninas a lidarem com o universo tecnológico

Para alguns estudiosos, a participação feminina no setor começou a cair com a chegada dos computadores pessoais, os PCs. Antes, computador era um equipamento enorme, usado em empresas ou repartições públicas para processar dados e fazer cálculos. Operá-lo era função de secretariado – segmento em que as mulheres prevaleciam. Já os PCs entraram para o cotidiano das famílias, ganharam um aspecto mais lúdico (com o advento dos jogos eletrônicos) e mais tecnológico (aproximando-se da engenharia). Em geral, os garotos são mais estimulados do que as garotas nessas duas áreas – jogos e engenharia. Quando a computação deu um salto, na década de 1990, os homens é que dominavam o setor.

“O próprio machismo estrutural da sociedade ensina garotas a gostar mais de brincar de boneca, de casinha ou de coisas consideradas ‘femininas’”, avalia Isabel Sprogis, da Bosch. Não por acaso, nos cursos universitários de áreas ligadas a cuidado as mulheres são maioria, como Educação (74%) e Saúde e Bem-estar (72%).

Algumas famílias, claro, fogem desse estereótipo. “Aos 12 anos comecei a dirigir o carro dos meus pais. Aos 14, meu pai me incentivou a dirigir na estrada. Aos 15 eu levava minha irmã mais nova para a escola”, conta Marcia Lodi. “Eu revisava os fusíveis, calibrava o pneu, abastecia – era sempre muito divertido.”

As referências são quase todas masculinas

Mark Zuckerberg, Steve Jobs, Bill Gates ou, voltando um pouco mais no tempo, Robert Bosch. A grande maioria das personalidades famosas por inovação são masculinas. Mesmo em níveis mais modestos, os homens são preponderantes: quem trabalha em engenharia ou programação geralmente é o pai, o tio, o primo, o irmão mais velho... As garotas têm dificuldade de se identificar com os trabalhadores desse segmento – como se aquele mundo não fosse para elas. “Faltam modelos de referência”, comenta a engenheira mecatrônica Karine Bauer, hoje chefe de engenharia em Connected Services da Bosch.

Karine Bauer, chefe de engenharia em Connected Services na Bosch
Karine Bauer, chefe de engenharia em Connected Services na Bosch: “Faltam modelos de referência”

Só aos poucos é que estão sendo recuperadas histórias inspiradoras de mulheres fundamentais nesse campo, como a inglesa Ada Lovelace (responsável por escrever o primeiro programa de computador da história), a norte-americana Grace Murray Hopper (uma das responsáveis pelo desenvolvimento da linguagem de computação Cobol), a norte-americana Mary Jackson (a primeira engenheira espacial negra da Nasa) e a também norte-americana Carol Shaw (uma das pioneiras no design de games, desenvolvedora de um dos jogos mais famosos do século 20, o River Raid).

Marcia Lodi, gerente de produtos e serviços digitais da Bosch
Marcia Lodi, gerente de produtos e serviços digitais da Bosch: sua promoção já chegou a ser suspensa quando ela estava grávida.

O machismo persiste em alguns ambientes corporativos

As mulheres da Bosch entrevistadas para este texto dizem que os obstáculos diminuíram, mas ainda existem. Isabel Sprogis conta que, ainda na universidade, havia histórias sobre grupos de veteranos assediarem as colegas, principalmente em festas. Em ambientes de trabalho, não são raras situações de “mansplannig” (homem explicar para a mulher algo que ela já sabe, às vezes repetindo o que ela disse, mas com outras palavras) ou de “manterrupting” (homem interromper a mulher com mais frequência do que interrompe outro homem).

“Há situações que desmotivam, como tentar falar e não ser escutada ou ter seu conhecimento visto com desconfiança”, lamenta Karine Bauer. “A gente precisa colocar muito mais energia em temas que homens talvez não precisem tanto.” Marcia Lodi lembra que, em 2013, prestes a ser promovida, disse ao chefe que estava grávida. “Ele parou meu processo de promoção porque eu teria, nas palavras dele, ‘outras coisas para me preocupar’. Foi difícil, mas não desisti.”

Ter poucas mulheres na área de tecnologia é um problema?

Certamente. Por duas principais razões – uma ligada às causas, outra aos efeitos.

As causas são injustas

Como vimos acima, as mulheres não evitam o setor por escolha própria: quando pequenas, são mais estimuladas a trocar roupas de boneca do que peças de carrinho; quando crescem, têm poucos exemplos femininos de sucesso na área tecnológica para se espelhar; quando entram na carreira, enfrentam vários obstáculos no mundo corporativo. Tais causas (desestímulo, poucos exemplos, discriminação) são obviamente ruins e precisam ser combatidas.

Os efeitos multiplicam as injustiças

Cada vez mais os avanços tecnológicos usam inteligência artificial alimentada por padrões. Se os padrões têm problemas (por exemplo, viés machista), provavelmente seus resultados vão reproduzir esses problemas.

Um estudo da Universidade de Boston em 2016 apontou que, em buscadores na internet, palavras como “programação”, “arquitetura”, “finanças” e “chefe” estavam mais ligadas a homens. “Enfermagem”, “recepcionista” e “homemaker” (que em inglês pode ser tanto “dono de casa” quanto “dona de casa”) estavam mais ligadas a mulheres.

Da mesma forma, programas que selecionam currículos podem privilegiar homens para áreas como engenharia e computação – afinal, em seus bancos de dados os profissionais mais bem-sucedidos nessas áreas são do sexo masculino (aliás, homens brancos, muito mais do que negros). Assim, ficaria ainda mais difícil para as mulheres entrarem nos setores.

“Machine learning significa: olhe para o mundo e aprenda com o mundo. A máquina também vai aprender os preconceitos existentes no mundo que ela observa”, resumiu um dos pesquisadores da Universidade de Boston.

As mulheres, com experiências diversas, estariam mais atentas a questões que poderiam nem ser cogitadas por homens. “A diversidade de pensamento ajuda a encontrar formas diferentes para resolver problemas”, diz Karine Bauer, da Bosch. “Cada pessoa tem capacidades diferentes e é especialmente boa em alguma coisa ou consegue agregar algo à mesa. Por isso, ter um grupo diverso de homens, mulheres, pessoas trans ou não binárias é essencial”, complementa Isabel Sprogis.

Como incluir mais mulheres na tecnologia?

O desafio de atraí-las para a área está mais fácil hoje, avaliam as entrevistadas da Bosch. Com o advento da telefonia móvel, os gadgets fazem parte do dia a dia de enorme parcela das brasileiras. “A geração após a minha já nasceu com celular nas mãos, com internet de banda larga de qualidade. Os games e as redes sociais estão mais presentes, a inteligência artificial vem sendo introduzida em nossas vidas aos poucos”, destaca Isabel Sprogis. “A maioria das pessoas tem um celular pessoal para acessar a internet e se desenvolver em cursos e notícias interessantes da área”, complementa Marcia Lodi.

Mulheres na Tecnologia

É fato, porém, que persistem questões estruturais, que dependem de transformações culturais e sociais, principalmente na relação entre gêneros. Questões que envolvem, portanto, políticas públicas, muita ação da sociedade civil e conscientização do setor privado. Algumas estratégias podem acelerar esse processo:

  • Mais tecnologia (e mais debates) na escola: desde as primeiras séries e sem deixar as meninas de lado. É preciso incentivá-las a participar de montagem de protótipos e de aulas de robótica, por exemplo. Nas disciplinas “de humanas”, é importante discutir os estereótipos de gênero, os vários tipos de discriminação e a distribuição desigual de tarefas domésticas.
  • Qualificação específica para mulheres: com foco em tecnologia, acolhimento e apoio na carreira. Há várias organizações voltadas a esse ponto, como a PrograMaria, a comunidade Test Girls e a PretaLab (que, como sugere o nome, mira um grupo ainda mais excluído, o de mulheres negras). “Eu sugiro procurar um grupo de mulheres na tecnologia para ter a primeira indicação ao estágio, ou apenas discutir sobre o dia a dia e ter um grupo de apoio”, recomenda Isabel Sprogis, que contou com apoio do Test Girls.
  • Programas corporativos para atrair mulheres: com políticas que podem incluir desde a reserva de vagas para perfis específicos – mulheres em geral, mulheres trans, mulheres negras, pessoas não binárias – como projetos para criar ou fortalecer vínculos com alunas de ensino médio ou graduação.
  • Programas corporativos para reter mulheres: “Apenas contratar para manter uma cota de diversidade pode criar conflitos ou até a sensação de não pertencimento de um grupo minoritário”, pondera Isabel Sprogis. “É necessário que o ambiente e as políticas da organização sejam inclusivos, que uma mudança gradual de pensamento seja construída junto à empresa”, acrescenta. Para Marcia Lodi, é fundamental haver, nas organizações, “ferramentas de conscientização e grupos que atuam muito bem nesse assunto.” Karine Bauer avalia que é importante “ter uma liderança feminina, capaz de ser empática para os desafios corriqueiros”.

Diversidade é nossa vantagem!

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